segunda-feira, maio 09, 2005

Cotidiano Vil

Dois comprimidos me fazem dormir muito bem
e acordar com uma lua azul pendurada no meu portal
e uma gata morta estirada de olhos abertos bem na minha janela
entre os meus dois cães, minha guarda feroz.
Os dias trazem sempre algo da noite
esperanças e rugas misturadas com certezas absolutas
da nossa insignificância frente à imensidão
dessa misteriosa coisa que chamamos de infinito, destino ou existir.
Há uma pessoa de quem eu nem me lembro mais
a quem eu fiz um pequeno obséquio algum dia
sem generosidade nenhuma
ou a quem eu destinei as minhas ricas migalhas
com toda a indiferença que tal ato requer
mas que reza em meu nome todas as manhãs...

Outros dois comprimidos me fazem enfrentar
o fato da lua não ser azul e da gata ser cara a alguém
a quem eu não chego, em seu choro manso, entender
porque não tenho lágrimas para os meus próprios cães.
As noites trazem sempre algo do dia
incertezas e medos que se grudam à escuridão
enquanto traço planos para as batalhas que vêm por aí
como se soubesse mesmo o que tenho que fazer.
Há outra pessoa que não sabe que eu sou
de tão comum um homem raro entre os comuns
com tantos defeitos que não os consigo carregar
pois apenas humano
e que precisa de um deus que se parece comigo
e a quem não adianta nada prevenir.

Muitos outros comprimidos, mais,
guardo no bolso para o caso desse alguém aparecer...